segunda-feira, dezembro 24, 2007

Um Natal de morrer

Eu sei que estamos num período de paz e amor. Afinal foi por estes dias que nasceu o menino Jesus e somos inundados com mensagens de partilha, de carinho, de ternura e fraternidade. E é por isso que tudo o que vem contra esta ordem natural das coisas é motivo de me fazer sentir um calafrio na espinha.

Hoje, véspera de Natal, decidi abrir a minha caixa de correio na esperança de ver ali um cartonito de Natal perdido, de alguém que deixou para a última a sua mensagem de alegria nesta quadra, quando percebo que sou brindado com 4 cartões de Natal. Dois de uma conhecida imobiliária e mais dois enviados por instituições bancárias. Esta juventude sabe trabalhar a sério: nunca se esquecem de desejar felicidades e um própero ano novo quando todos sabemos que, a continuar a pagar o que pago, o meu próximo ano é que os vai fazer mais afortunados.

Mais um pequeno esforço e é quando reparo naquele folheto desamparado, ali mesmo ao fundo da caixa de correio, sozinho, triste, ligeiramente húmido e aguardando pela minha companhia; o jornal Dica da Semana do Lidl.

É então que fico a saber que, esta semana, o salmão fumado está muito mais barato, com 33% de desconto. E as bananas nem se falam. E porque se aproxima fim de ano, as bebidas e os aperitivos são o centro da comunicação com descontos que só não me assombram porque eu desconheço se são baratos ou não. Mas o que me deixa fascinado na Dica da Semana não são estas oportunidades mas sim os anúncios que aqui são publicados.

Logo na capa, duas grandes marcas disputam a primazia. Entre o salmão a 2,99 e a banana, quais são as marcas que se degladiam para obter o olhar do consumidor? Acertou: duas Agências Funerárias. A Agnus Dei e a Diplomática. É bem visto sim senhor. Eu quando estou necessitado de arranjar uma funerária, a primeira coisa que me ocorre é ir folhear a Dica da Semana.


Segundo fontes próximas, há quem acredite que exista um acordo de permuta entre as duas partes:

-Vocês poêm os nossos anúncios na capa e se alguém morrer em alguma das vossas lojas, o cliente passa de vosso a nosso.
-Mas porque raio havia de morrer alguém nas nossas lojas?
-Vocês têm uns preços fenomenais. Alguém pode ter um enfarte ou um espasmo cerebral ao perceber que o pistacho está muito mais barato do que aquele que compraram dias antes. E depois fica aí um cheirete que até podem pensar que vem das beringelas. Quanto mais depressa actuarmos, melhor.
-Está bem visto, sim senhor. Venham de lá esses anúncios.


Os dois anúncios também são um espelho do nível de concorrência agresssiva a que chegou o negócio da morte. Tanto a Agnus Dei como a Diplomática mantêm um número de telefone permanente, 24 horas por dia, porque já sabemos que a morte, como madrasta que é, nem sempre avisa quando chega. Mas depois há aquelas coisinhas pequenas que podem fazer toda a diferença no serviço. Ambas mantêm viva a tradição pombalina de “enterrar os mortos e cuidar dos vivos”. Enquanto a Agnus Dei garante café no velório, a Diplomática vai mais longe e disponibiliza também um serviço de chá. O que é bastante reconfortante. Mas onde a Agnus Dei ganha aos pontos é no serviço do pessoal. A Agnus Dei apresenta uma equipa mais vasta e profissional, não se coibindo de mostrar a face do Colaborador do Mês. Podemos duvidar do que ele fez para atingir tal grau de satisfação junto do patronato. Pode ter sido pelo fato do defunto imaculado, com os vincos todos direitos. Pode ter sido pela escolha das flores ou mesmo pelo cházinho que “desta vez estava demais”. Pode ter sido pela fantástica limpeza, lavagem e aspiração da carrinha funerária. Não sabemos mas na Agnus Dei há a certeza de um serviço sério e completo. É isto que um defunto procura: rigor e atenção. Não falo do rigor mortis mas sim daquele rigor que um defunto deseja. Um tipo quando estica o pernil, pelo menos vai para o Além bem tratadinho.

Em jeito de conclusão, e se eu pudesse escolher, optava pelo Salmão Fumado do Ikea que é mais barato e melhor que o do Lidl mas escolhia a Agnus Dei para o serviço da morte.

2 comentários:

Carla Ferreira de Castro disse...

Tu recebeste a Dica em vésperas de Natal. Eu recebi a visita do carteiro que fez questão de me entregar, em mãos e a troco de um autógrafo, uma multa de quase 25 euros das finanças!!! um euro de coima e 24 e noventa e tal de custas processuais!!! Se eu soubesse quem me enviou isto, a dia 24, podes crer que o mandava dar uma voltinha de Agnus Dei (que o Dei me perdoe a maldade em dia de Natal)

Sérgio Mak disse...

Eu acho que esses folhetos estão pela hora da morte, daí as funerárias fazerem todo sentido. Embora, "Promoções de morrer feliz" pudesse justificar tudo e mais alguma coisa...