quarta-feira, setembro 28, 2005

Katrina. Rita. Tozé.

No outro dia fui assaltado por uma dúvida. Pediu-me 2 euros, levou-me a carteira e antes de se fazer à estrada deixou uma pergunta no ar: “Já pensaste como é que os americanos nomeiam os furacões?”. Além de liso, fiquei perplexo: eram já 11 da noite e não tinha o passe.
Porque tempo era coisa que tinha, vim pé ante pé descendo a comprida e poluída Avenida da Liberdade, cogitando sobre a questão levantada.
Algumas horas depois chego a casa e meti mãos à obra. Larguei o carrinho de mão, a sachola e a roçadora mecânica e agarrei-me aos dados. Cansado da monotonia de eles só apresentarem uns pontinhos negros de 1 a 6, de rolarem e de eu já não ter idade para isso, decidi desistir dos dados e enveredar pelo caminho apresentado pelos meios de comunicação.
Após um complexo e moroso estudo de vários minutos, vim a descobrir que os meterologistas americanos, desde os anos 40 - para poderem falar do fenónemo sem confusões linguísticas - decidiram atribuir nomes aos furacões até ao ano 2010. Parece que os primeiros furacões eram sempre fêmeas e correspondiam aos nomes das namoradas, mulheres, amantes e todas as tipas que eles não conseguiam comer. Mas depois o movimento feminista e gay pediu nomes de homens e decidiu-se distribuir o mal pelas aldeias: metado macho, metade fêmea. Assim sendo, depois do Katrina veio o Rita e há a certeza de que o próximo da lista vai nascer gajo: é o Stan.
Apesar das semelhanças com o Bangladesh, os EUA são insuperáveis em determinados aspectos. E são pioneiros nessa nobre e altiva arte de nomear furacões.
Eu acho uma ideia brilhante. Na verdade, eu sou a favor da introdução do mesmo método em Portugal. “Mas nós não temos furacões!”, dizem vocês. Obviamente. Quer dizer. Existia a hipótese de importar furacões mas aquilo é taxado ao quilómetro e seria uma despesa incomportável para o erário público. “Então?” perguntam vocês. Bom, temos que nos agarrar ao que conseguimos deitar a mão. E se os americanos dão nomes aos furacões nós podíamos dar nomes às secas.
Por isso sugiro que o primeiro nome de 2005 seja Tozé. A Seca Tozé. Ligaríamos a televisão e as notícias diriam: “E não são apenas as medidas do Governo. A Seca Tozé continua implacável, deixando barragens, furos e o país à beira de um colapso”. Entrevistando idosos poderíamos ouvir: “Já não tenho auga para dar ao gado. Ò amigo, estou aqui há 78 anos e nunca vi nada assim. É o Tozé que está a dar cabo de tudo. Raios partam...”.
Mas existem mais sugestões: Seca Ginginha, Seca Coentros, Seca Hoje há Pipis, Seca Lobo Antunes Nunca mais Ganhas um Nobel, Seca Eu Hoje Sonhei Com Um Arenque E Estava Um Dia Bonito, Seca Comia-te Toda, e por aí vai (esta última não é uma sugestão; é uma maneira diferente de dizer etc).
Há um grupo de cientistas, de alguns curiosos e dois mirones que pretende aplicar o mesmo conceito a cheias, tempestades de granizo e geadas. Sugerem eles os nomes: Tempestade de Granizo Calisto, a Cheia Ermilinda ou a Geada Islâmica. Eu acho boa ideia.

sexta-feira, setembro 23, 2005

A Estupidez da vida.

Dizer uma estupidez ganha maior ou menor importância conforme quem a diz. Pegando numa coisa tão estúpida como “ Portugal desenvolve o seu primeiro Vai-e-vem, que estará pronto em 2007”, que como é lógico é uma grande estupidez, esta pode ou ser vista de diferentes formas:
Pessoa normal
- sabias que Portugal vai construir um Vai-vai-e-vem já em 2007?
- Que estúpido que tu és, acreditas em tudo o que ouves. Só se for um vai e não volta.
Mendigo
- O meu senhor agora que até vamos ter um vai-e-vem em 2007 dê-me uma esmolinha para comer.
- Não te basta ser pobre ainda és burro
Cientista
- Ouvi dizer que há planos para Portugal lançar o seu primeiro vai-e-vem 2007.
- Fantástico, imagino que o senhor esteja fortemente envolvido nesse projecto
Presidente de uma companhia de cortiça
- Portugal vai ter o seu vai-e-vem em 2007.
- Senhor presidente brilhante oportunidade que detectou para a nossa expansão económica
Ministro no governo
- Parece que há condições para Portugal ter o seu vai-e-vem em 2007
- Este governo tem devido ao choque tecnológico graças aos seus esforços, entrada directa no século XXI e no papel futuro global
Oposição
- Ouvi dizer que Portugal vai lançar um vai-e-vem em 2007
- É inaceitável pedir mais este sacrifício aos portugueses numa altura de tanta necessidade
Eu
- Que disparate é esse de andarem para aí a dizer que Portugal vai Ter um vai-e-vem espacial em 2007
Tu
- Parece que: várias pessoas estão a candidatar-se ao programa espacial português para serem astronautas alegando que há muito tempo que já andam com a cabeça na lua, em comemoração deste facto as esmolas dos mendigos aumentaram exponencialmente, os Cientistas portugueses foram convidados a participar em vários projectos europeus espaciais, a indústria da cortiça está numa fase de grande crescimento, o Governo marcou mais uns pontos no contexto tecnológico europeu e a oposição prepara várias manifestações contra esse facto.

Momento de auto-estima

Naqueles dias em que estamos em baixo, deprimidos, rastejando por atenção, carinho, um ombro amigo, um colo acolhedor, temos de levantar os olhos e ler o texto que se segue.

1. Há pelo menos 2 pessoas neste mundo por quem tu morrerias.
2. Pelo menos 15 pessoas neste mundo amam-te de alguma maneira.
3. A única razão pela qual alguém te odiaria é porque ela quer ser exactamente igual a ti.
4. Um SORRISO teu pode trazer alegria a qualquer um, mesmo se esse
alguém não gostar de ti.
5. Todas as noites, ALGUÉM pensa em ti antes de dormir.
6. ÉS o mundo para alguém.
7. ÉS especial e único/a.
8. Alguém que TU nem sabes que existe... ama-te.
9. Quando cometeres o pior erro que pode existir, aprendes sempre algo de bom.
10. Quando pensas que o mundo te virou as costas, olha melhor.
11. Lembra-te sempre dos elogios que recebes. Esquece-te dos comentários maus.

Depois de enxugares os olhos, levanta o espírito porque sabes que és amado. Porque o Amor é imbatível. É uma bateria plena de energia que te dá força inesgotável. Porque o Amor é lindo, puro e imaculado. Tal como tu. És lindo/a. Porque o amor, quando é forte, nada o separa. É uma corrente da mais sólida e resistente liga metálica alguma vez criada pela humanidade. Só o Amor tem a força de toda a corrente eléctrica planetária. Junta o Amor que sentes e com essa energia conseguirias produzir 400 bombas de hidrogénio, 3700 bombas atómicas, quatro contentores cheios de metralhadoras, umas centenas de navios com míssieis de cruzeiro inteligentes, a vários esquadrões de F18, a centenas de milhares de batalhões de exército, algumas granadas de mão e dois cocktails molotov. E é esta força que podes utilizar para aniquilar todos aqueles que não acreditam no Amor. Eu amo-te.

quinta-feira, setembro 22, 2005

A star is born

Levanto-me às 8.00. Faço a minha higiene. Pelo meio trinco uma sandes e bebo um galão. E tudo à pressa. Tenho de ir. Tenho mesmo de ir. Algo de muito importante vai acontecer, especialmente a uma pessoa como eu, uma pequena estrela forma-se no firmamento. A excitação aumenta, a ansiedade faz-me esquecer de pôr o cinto de segurança. Mas não há problema. O raio destes carros novos é que apitam muito e apitam até não podermos mais e reconhecermos que somos avessos à segurança, como bons portugueses que somos. E lá vou eu...estrada fora, no meio de um trânsito infernal e no meio de um turbilhão de anónimos que lutam ferozmente para chegar mais rápido aos seus destinos. Dou-me conta do que se vai passar, as buzinadelas ficam lá fora, por fora do vidro. O rádio, cá dentro, dispara móveis a preços espectaculares. E não há meio de chegar e sentar-me descansadamente à frente do meu computador.

Abram alas... quero palmas, muitas palmas. Por favor, todos de pé! Quero uma ovação, uma aclamação. Estou finalmente aqui. É hoje...é hoje....
É hoje a minha estreia num......BLOG!

quarta-feira, setembro 21, 2005

É a vida em 5 minutos com...

-Temos hoje no programa “5 minutos com” em debate as duas principais figuras públicas que concorrem às próximas presidênciais. Gostaria que me falassem dos vossos respectivos programas eleitorais. Vamos começar com o senhor mais velho, até por uma questão de respeito. Aguardemos que ele se sente porque anda a distribuir apertos de mãos pelos assistentes de produção e pelos cameraman.
- Ora dê-me cá mais 5 caro entrevistador. Desculpe mas esqueci-me do nome deste programa e o que vim cá fazer. Isto não é o programa sobre a historia de Portugal??
- Não, está no “5 minutos com” e gostaria que nos falasse do seu programa eleitoral.
- Que coisa sempre com essa conversa, que chatos, deixe-me abraça-lo, meu caro. Olhe em 1956 quando estive exilado, queria falar e não me deixavam. Agora sim vou dizer tudo, tudo o que tenho para dizer e tudo o que quero fazer. (silêncio enquanto a cabeça lhe cai e começa a ressonar)
- E …
- ZZZZZZZZZZZZ. Sim ,sim. Desculpe, o que eu estava mesmo a dizer?
- O que ia fazer.
- Sim, mas antes deixe-me abraça-lo, eu gosto muito de jovens e no meu tempo também fui jovem. Que programa estamos afinal?
- “5 minutos com” e era para falar do seu programa eleitoral.
- Pois, pois, deixe-me só aqui tomar uns comprimidinhos, e recordar-lhe o meu passado político. Estive exilado e não podia dizer nada, mas agora…dá-me licença que vá fazer um xixizinho?? Isto com a idade um gajo por mais fixe que seja fica à rasca.
- Com certeza, vou aproveitar para falar com o senhor professor. Isso que vejo nos cantos da sua boca, muito ligeiro, quase ténue é um sorriso?
- Portugueses e portuguesas, raramente me rio, não solto gargalhadas e não erro.
- Sempre se candidata?
- Vou responder a essa questão.(silêncio incómodo)
- Sim??
- O facto de eu me candidatar ou não, tem que ser contextualizado no vazio sócio económico actual. A presença da esquerda não inviabiliza uma forte candidatura da direita, antes pelo contrário. Como tal ambos os cenários são de facto não só possíveis com também viáveis.
- Desculpe, mas sempre se candidata?
- A minha resposta foi clara.
- Pronto. Caso se candidate quais serão as suas propostas para os portugueses.
- "Caso" como disse, implica uma dúvida e eu já lhe dei uma certeza. Portugal vive um momento particularmente difícil com um défice progressivo e uma dicotomia entre a deflação e a progressão do PIB que implicará uma reavaliação das taxas visando o break even point. Assim proponho, por outro lado, que devido à complexidade dos estudos aprovados, se cumpra um papel essencial na formulação das metas financeira e administrativas que a nossa experiência mostra ser necessário para atingir a consolidação dos nossos objectivos, contribuindo assim para os índices pretendidos. É uma aposta clara e que será executada com pulso firme como sempre foi meu apanágio.
- Pois…obrigado. Vamos tentar voltar ao outro candidato...parece que não vai ser possível, ele está a beijar a senhora da faxina.

Provérbios dos tempos modernos.

Quem não se lembra dos velhinhos provérbios populares. “O cão ladra e a caravana , passa” ou “enquanto o pau vai e vêm folgam as costas” e outros tantos. Como é lógico muitos destes provérbios estão desactualizados e deveriam também ser criados novos que reflectissem a actualidade: os computadores, o sexo desenfreado, a violência, a competição empresarial, etc.
Vejamos:
Mais vale uma pilinha em festa que uma festa na pilinha
Mega a mega enche o disco rígido a memória
Hard disk dado não se olha a capacidade
O monitor do vizinho tem sempre mais resolução que o meu
Boca mole em pénis duro, tanto chupa até que rebente
Sexo, sexo, amigos à parte
Amor com cartão de crédito se paga
A uma rede com firewall põe Deus a mão por baixo

Fárois Xénon que vão à frente alumiam duas vezes
Com um olho no carro e o outro no vendedor de automóveis
Dar ao Presidente o que é do presidente e ao Chairman o que é do Chairman
De Espanha nem bons ventos, mas vem a Zara e a Pull and Bear
De médico, de engenheiro, de advogado de publicitário, de informático, de gestor, de marketeer e de louco todos temos um pouco
De pequenino se torce o joystick
Deus dá nozes a quem não tem próteses, coroas ou pivots
O Senhor Presidente escreve direito por linhas tortas
Em casa de informático, Windows 98
Mais depressa se apanha um mentiroso que um coxo, se o coxo não tiver ma prótese de última geração
Mulher honrada não tem ouvidos, mas tem boca, rabo e vagina
No melhor pano cai a nódoa, mas graças ao teflon não mancha
Quem casa quer casa, e vai falar com um banco
Quem corre por gosto não cansa, mas paga uma fortuna no Holmes
Quem dá e torna a tirar é o nosso chefe.
Querer é poder, poder é ter um cartão gold
Relatório de contas e o plano de negócios não se fizeram num dia
Se Maomé não vai ao shopping, o shopping vai a Maomé
Um burro carregado computadores portáteis é um consultor
Em terra de cego, quem tem um olho é anormal.
Quem ama o feio, é porque o bonito não lhe aparece.
Quem desdenha não tem crédito para comprar.
Quem dá aos pobres, pede recibo para descontar
no IRS

terça-feira, setembro 20, 2005

Um debate político dos novos tempos

-O senhor não tem programa eleitoral, não tem ideias, apenas noções vagas. O senhor vende ilusões aos munícipes. O senhor é um estafermo de um cabrão.
-Estafermo? Você não sabe o que diz. Os seus índices de cultura são tão baixos que até os escaravelhos conseguem fazer uso do cérebro. Tal não acontece com tanto afinco por parte de vossa excelência, meu grande panasca.
-E você? Você fala como um incunábulo!
-Incunábulo? Vá badamerda.
-Sim, você cheira a mofo. Da sua boca saem palavras bolorentas; frases que tresandam um odor a musgo, minha putéfia de merda.
-Ai ai...mas você quer ver que eu não vou estender a mão no fim deste debate?
-Você sabe onde é que pode meter essa mão, ó cabrão?
-Por acaso até sei, mas há crianças em frente à televisão que não gostariam de ver o meu adversário como o primeiro político a utilizar o fist-fucking como arma de propaganda eleitoral.
-E eu recuso-me a entrar nesta troca de insultos com alguém que gosta de ser sodomizado por cães e dominado por avestruzes.
-Avestruz é você que esconde a cabeça na areia, recusando-se a olhar para os problemas da cidade.
-E?
-E nada.
-Mas você não me ofendeu.
-Não quero.
-Ai estamos amuados agora??? Como é possível você dar o seu contributo para um debate democrático se se recusa a colocar a ofensa, o escárnio e a injúria em cima da mesa? É isto que você pretende para a cidade? Você é um merdas.
-Deixe-me só fazer uma pergunta. Posso?
-O seu discurso até a este momento foi tão boçal que eu não me importo que continue no mesmo registo.
-No final do debate, você dá um ou dois beijinhos?
-Eu só dou um. Faz parte da minha posição social.
-Bom nesse caso, quanto é que estás a levar por cada um, meu chupista do caralho?

quarta-feira, setembro 14, 2005

Vários Esquadrões

Esquadrão H
É um programa onde 5 obesos barbudos abusam de um homossexual até ele ficar com a voz grossa.

Esquadrão Classe A
Programa onde 5 americanos salvam o planeta dos maus, do comunismo e de furacões. Um deles é preto e bruto, outro é maluco dos cornos, outro fuma charutos cubanos às pazadas, há uma gaja e um tipo com piada mas cobardolas.

Esquadrão da Morte
Programa noturno onde vários agentes da autoridade, e alguns civis, sul-americanos fazem justiça com as próprias mãos.

Esquadrão
Programa de comédia que vem colmatar uma brecha no panorama televisivo português. O cenário é uma mega esquadra de super-polícias. Assume-se como uma alternativa aos “Malucos do Riso”, "Batanettes" e toda a programação do Canal Parlamento.

Esquadrão X
Programa de madrugada que mistura todos os Esquadrões anteriores, num grande convívio, paródia, regabofe e bolinha no canto do televisor.

Carta para ti, amor

Amor da minha vida,
Como eu sei que aí não tens acesso ao e-mail e que por vezes ficas sem rede no telemóvel, decidi escrever esta carta. A minha vida, vai indo. Não há grandes novidades. O emprego continua igual, continua chato e os meus pais uns chatos. Por vezes pergunto-me se, quando formos velhinhos, os nossos filhos não vão dizer o mesmo de nós. Eles têm perguntado muito por ti. Os meus pais e os nossos filhos. Eu também tenho muitas saudades tuas e dos teus pés quentinhos à noite.
O nosso mais velho anda um reguila de primeira apanha. E não pára. Fui com ele ao médico e o doutor diz que ele precisa de umas vitaminas. E que preciso de o obrigar a comer mais legumes. Mas sabes que eu não consigo gritar com ele, tu és melhor nisso do que eu.
Eles a mim já perderam o respeito. Ainda no outro dia o mais velho levou-nos o serviço de casamento e suspeito que anda a tirar uns euros todos os dias da minha bolsa, às escondidas. Já ralhei com ele. Mas ele não me ouve. Ainda no outro dia a nossa vizinha do segundo esquerdo foi dar com ele à sua porta com um pé-de-cabra na mão. Continua com essa mania, vê lá bem. Não há maneira de o convencer a usar as chaves.
Depois anda a esquecer-se da nossa morada e só aparece de vez em quando. Só não falei com o médico sobre isso porque acho estranho que uma criança de 10 anos sofra de amnésia.
Ao nosso mais novo estão a nascer os primeiros dentinhos. Está tão querido. Agora mete tudo na boca e não me deixa dormir. Coitadinho. Mas está tão fofo. Já diz “cabra” e está quase a dizer também o teu nome.
Bom, adeus amor. Não sei quando é que tens a tua primeira precária mas eu espero por ti. Amo-te muito. Isabel.

terça-feira, setembro 13, 2005

Regresso ao passado

Até hoje, eu estava preparado para tudo. Já esperava o regresso do Cavaco. Já esperava o regresso do Soares. Mas foda-se, do que eu não estava à espera mesmo era do regresso do Rao Kyao.

segunda-feira, setembro 12, 2005

Gosto pela leitura

Somos um desastre em Matemática. Mas a quantidade de vencedores no Euromilhões prova que somos os melhores da Europa em Estatística e Probabilidade. Somos uma aberração nos índices de leitura. Mas os editores portugueses publicam 76 livros por dia. Somos um fiasco em alfabetização e com altos níveis de iliteracia. Isto tudo misturado só podia dar uma coisa: somos os maiores a ler livros de Sudoku!

O acidente da minha vida

A vida é feita de pequenos acidentes. Tiram-nos a vida quando temos um acidente de viacção, de aviação, ferroviário ou marítimo. Mas damos vida quando acontece um acidente sexual.

quarta-feira, setembro 07, 2005

Educadamente falando.

A vida ensina-nos a viver uns com os outro respeitando regras de educação. De boa educação. Manda a regra que quando se pede algo se peça por favor, que a quem é pedido responda com simpatia e que se retribua agradecendo. É o usual, por favor não se importa de, a que se responde, concerteza por quem é, e retribui-se com o muito obrigado. No entanto e se esta situação for levada para o dia-a-dia e para todas as situações a coisa complica-se.
Imaginem um jogo de futebol.
Simão fintando os adversários vai dizendo:
- Com licença, posso passar?
- Faça o favor.
- Obrigado
- Dá-me licença?
- Faça o favor.
- Muito brigado!
-Posso passar?
-Por quem é!
-Pelo Benfica.
Prepara-se para rematar à baliza.
- Dá-me licença que chute? Tenha cuidado que vou chutar com muita força!
- Meu caro, estou cá para isso! Tenha a gentileza.
- Muito obrigado e aqui vai.
- Olhe está a ver! Entrou. Para a próxima não o deixo rematar.
- Desculpe o incomodo e mais uma vez obrigado..
Ou o chefe que chama um colaborador
- Mateus se me der licença gostava de o despedir.
- Esteja à vontade, meu caro.
- Então se não se importar, está despedido.
- Obrigado e até à próxima.
- De nada, Mateus, foi um prazer.
E até entre lençóis.
- Querida, por favor podes abrir as perninhas?
- Com certeza meu amor.
- Se não te importas vou entrar.
- Estás à vontade.
- Se não te importares, vou sair um bocadinho.
- Com certeza.
- Com licença, que vou entrar outra vez.
- Entra, entra.
- Se não te importares, vou sair um bocadinho.
- Com certeza.
- Com licença, que vou entrar outra vez.
- Entra, entra.
- Se não te importares, vou sair um bocadinho.
- Com certeza.
- Com licença, que vou entrar outra vez.
- Entra, entra.
- Querida se não fosse muito incómodo, podias-te voltar e ficar de decúbito dorsal?
- Claro meu querido.
- Obrigado.
- Se não te importares, vou entrar novamente.
- Com certeza.
- Com licença, que agora vou sair outra vez.
- Sai mas volta depressa se faz favor.
- Então com licença, vou entrar novamente.
- Com certeza.
- Lamento o transtorno mas agora vou sair outra vez.
- Estás à vontade.
- Querida se não fosse inoportuno, podias-te vir?? É que estou muito aflito.
- Venho-me já.
- Muito obrigado. Eu também me vou vir se não te incomodares.
- Faz o obséquio.
- Muito obrigado!
- De nada.

A minha primeira novela

A vida é uma novela. Eu decidi escrever uma. Chama-se "A Cruz do Amor" e é para ser contada em 425 episódios.


Estamos nos loucos anos 70. Cheira a liberdade por todos os cantos. À porta da igreja, numa aldeia próxima do Bombarral, alguém abandona uma criança. É um rapaz. É de imediato baptizado. Recebe o nome de Pedro. O destino leva Pedro até às mãos de uma jovem freira, Roberta. Meses mais tarde tentam retirar a criança das mãos da sua nova mãe. Mas o amor e o afecto que ela nutre pela criança obriga-a a engendrar um plano com a conivência da sua irmã mais nova, Tatiana. Juntas conseguem simular o desparecimento do bébé. Mas na verdade, quem cuida agora de Pedro é Tatiana. Os anos passam, Tatiana decide fugir da aldeia e tentar a sorte na cidade. Deixa para trás Pedro que apesar de pequeno, sente o peso do abandono de duas mulheres e de uma mãe ausente. Roberta tenta então em desespero tomar conta da criança. E a proximidade com Pedro desperta-lhe novas emoções e sensações. Pedro é agora um adolescente e durante quase 2 anos torna-se amante de Roberta. Roberta não conhece outro homem que não o adolescente Pedro. Mas algo vem quebrar esta relação anormal.
Aos 14 anos, Pedro recebe a notícia de que um acidente ceifou a vida de Roberta. Pedro tem de aprender a viver sozinho. Já não é uma criança. Mal sabe ele que a morte da mãe é uma farsa. Ela afinal está viva, enclausurada num convento. Foi dada como morta depois da igreja ter descoberto que esta mulher estava grávida. Pedro é pai de um rapaz mas não o sabe.
Ironia do destino, a criança, Rui Carlos, é abandonada à porta de um outro convento a centenas de quilómetros de distância.
Os anos passam. Roberta caba por morrer no convento. Pedro tem agora 35 anos. A vida deu muitas voltas e ele é um respeitado director de uma empresa. Subiu a pulso mas teve um empurrão da comunidade gay da cidade. Pedro é gay. Não parece. Não o assume. È casado com Patrícia, uma devota cristã de 27 anos que, nas duas relações sexuais com Pedro, deu fruto a duas belas crianças. O que para Pedro é óptimo que assim não precisa de fingir muito a falta de coito heterosexual.
Entretanto a vários quilómetros de distância, Rui Carlos torna-se um aluno brilhante. E aos 21 anos já tem um bacharel em gestão, levando-o a novos desafios na cidade.
Sabemos que Rui Carlos é um devoto cristão. Vai à missa. E numa dessas idas encontra Patrícia. No início apenas trocam olhares. Mais tarde a paixão torna-se mais forte que os seus valores. Encontram-se secretamente até que um dia Pedro, por via de um encontro cristão, conhece Rui Carlos. Logo ali sente uma química no ar. Não sabe o que é mas Pedro olha para Rui Carlos de uma forma diferente. Não é o único, a sua mulher também já não olha para Pedro da mesma forma. Está totalmente apaixonada por Rui Carlos mas sabe que, aos olhos de Deus, o que faz é errado. Um dia, decide tirar a vida com a ajuda de uma caixa de comprimidos. Sabe que Deus não perdoa o suicídio mas de certeza que não perdoaria o facto de dar à luz um ser que não é filho legítimo de uma relação abençoada por Deus. Sim, Patrícia morre no mesmo dia em que descobre que está grávida de Rui Carlos.
Esse segredo não morre com ela. È revelado a Pedro no dia da autópsia. Pedro sabe que não é ele o pai e decide então investigar. Na tentativa de procurar respostas a tantas perguntas acaba por cruzar-se com Rui Carlos. Este, por medo ou por se sentir culpado de toda a situação, acompanha Pedro nesta tarefa de ajudar a descobrir quem é o pai da criança. Chegamos então ao climax, ao drama,à ironia em direcção ao pathos: o pai com o filho à procura do pai que é o filho!
Os dias passam-se e o tempo lava a alma. Pedro começa a interessar-se por Rui Carlos. E fica extasiado quando descobre que os dois têm uma história comum, os dois foram educados por freiras. Para que Rui Carlos passe mais tempo com ele acaba por oferecer-lhe emprego na sua empresa. Pedro começa a apaixonar-se por Rui Carlos. Este está confuso, sente alguma coisa por Pedro mas não sabe bem o que é. Acaba por canalizar todas as suas energias para a empresa e vai dando nas vistas junto dos responsáveis superiores.
Uma noite, para festejar mais uma vitória empresarial, Pedro e Rui Carlos acabam numa festa com meninas. Rui Carlos acaba mesmo por reconhecer uma das bailarinas, a Carla. No fim do espectáculo Carla vem ao seu encontro. Rui Carlos descobre que ela era uma das muitas freiras que acabam por abandonar o convento. Uma outra bailarina reconhece Pedro. E nós também porque descobrimos que é Tatiana, a irmã de Roberta.
As duas conhecem as histórias de cada um, conhecem as respectivas mães, as respectivas histórias. E quando trocam informações uma com a outra descobrem todo o enredo. Elas juram nada contar e fazem um pacto de sangue.
O amor tem destas coisas e Rui Carlos acaba por apaixonar-se por Carla. Pedro tenta de tudo para obter o amor de Rui Carlos mas não é bem sucedido. È então que decide matar a bailarina. Uma noite, entra sorrateiramente em casa de Carla e ouve-a ao telefone a contar uma história de pai e filho, o seu nome e o de Rui Carlos. Não percebe nada. Assustado, sem perceber nada, tenta obrigar Carla melhor a história. Ela grita e Pedro vê-se obrigado a matá-la.
Rui Carlos fica de rastos. É a segunda mulher que lhe matam. È um azar dos diabos. Uma beata e uma bailarina. Em comum apenas o B na início das palavras. Rui Carlos tenta então procurar Tatiana. Pedro também, já que suspeita que ela deve saber alguma coisa. Pedro acaba por encontrá-la. Tatiana, ameaçada com um ferro de engomar quente, abre a goela para contar toda a verdade que conhecemos. Pedro assusta-se e não quer acreditar que o homem que ama é seu filho. E quando se prepara para matar aquela fonte de mentiras leva um tiro pelas costas. Vemos que é Rui Carlos de arma em punho. Ele que também procurava Tatiana, entrara e escutara a conversa. Matou o pai e o patrão com a mesma bala. Abraça-se a Tatiana e choram os dois compulsivamente. Rui Carlos passa o resto dos seus dias na prisão onde é abusado sexualmente todos os dias.

terça-feira, setembro 06, 2005

R.I.P.

Eu sei que este Blog é "É a vida", mas esta termina invariavelmente na morte, por isso...


Contava-me um colega meu que no cemitério da Amadora há várias lápides sobre os falecidos em que familiares revoltados acusam o facto daquele seu ente ali estar, pela negligência dos médicos do hospital Amadora/Sintra.
Achei a ideia interessante. Não de morrer nas mãos dos médicos do Amadora/Sintra. Mas sim a de utilizar aquele veículo de comunicação com os consumidores. As lápides são na efectivamente a derradeira forma de comunicação. Assim deveria ser sempre obrigatória na lápide uma disertação sobre o falecido onde deveria constar por exemplo, a causa da morte, alguns factos sobre essa pessoa e também algumas das suas ambições. Assim, em vez de “Albertino Manuel, 1930- 2005. Para o nosso amado pai e Marido que descanse em paz”, que não nos diz muito sobre o falecido, poderíamos ter coisas tão distintas como:
“Manuel Batista, morto de overdose em 2004. Amigo de si próprio e da droga não deixa saudades nenhumas e por favor se lerem isto deixem aqui algum dinheiro para ajudar a pagar as dívidas aos dealers que ele deixou.”
“Maria do Mar Teixeira de Andrade Ribeiro da Cunha (Kiki), falecida em 2005. Não se sabe quando nasceu porque sempre escondeu a data. Era uma tia inútil mas que dava glamour aos eventos sociais. Estamos muito aborrecidos com a sua morte, até porque no dia em que morreu ia haver uma festa que foi cancelada. No seu funeral, a Titá ia deslumbrante num vestido Armani e Quico fazia-se acompanhar da sua nova namorada. A Kiki não ia gostar nada desta nova namorada porque ela é super pindérica. Um beijo e que no além continue a fazer o que sempre fez: nada”
“ José da Fonseca Oliveira, 1959-2005. Deixa saudades aos seu amigos e a certeza de que vamos gastar mais dinheiro nas borgas porque era sempre ele que pagava os copos. Talvez por isso tenha morrido de cirrose.”
“Albertina Lopes, 1901-2004, não temos muito a dizer porque quem a conheceu já morreu e nós já a apanhamos com elevado grau de arteriosclerose múltipla e já não dizia coisa com coisa. No seu tempo deve ter sido muito fixe. Os bisnetos.”
“Este gajo era muito porreiro: escrevemos isto em conjunto porque somos todos amigos dele. Da escola, ao clube passando pelo trabalho todos gostávamos muito dele. Era sempre o primeiro a dar-nos uma palavra amiga, era o primeiro a emprestar-nos dinheiro se era preciso e às vezes até nos trazia uma prendas. Infelizmente não temos bem a certeza da data de nascimento, porque ninguém o conhecia à tanto tempo, nem a data da morte porque ele ficou morto no seu T1 durante algum tempo e ninguém notou a falta dele. Mas agora vamos notar imenso. Um abraço dos amigos ao…Coiso. Não nos lembramos bem do nome.”
“Sónia, 1965-2003. Era uma vaca. Só não se deitou com o coveiro para conseguir uma sepultura melhor porque já estava morta.”
“Augusto Hipólito, falecido a 2004, após ter sobrevivido a um atropelamento em 1970, a uma tentativa de assassinato em 1978, a um enxerto de porrada em 1980, a várias facadas em 1986, envenenamento em 1991, tentativa de enforcamento em 1998, etc. Não deixa saudades nenhumas mas deixa dívidas ao fisco, aos amigos aos credores.”
“Dr. Pinto Basto, 1951-2005, doutorado pela Católica em estudos económicos, tirou o MBA em Oxford em tendências sobre a Macro economia na globalização. Foi Chairman de várias empresas que consegui recuperar de situações económicas precárias. Um empresário capaz com alta capacidade de trabalho. As empresas onde trabalhava despedem-se com respeito e esperam na falir com a sua ausência. Família não deixa porque não tinha tempo para isso e amigos também não.”
Na minha gostaria de ter
" ....-..., Reinu. Amado pelos amigos, temido pelos inimigos. Vai e faz falta a uns e nenhuma a outros. Dos amigos um abraço e até um dia. Dos inimigos já devia ter ido."

Uma cidade culta

Caso Maria Carrilho ganhe a Câmara de Lisboa, é de esperar que os níveis de cultura subam. Os portugueses já são filósofos, são profetas da desgraça, são poetas. Com Carrilho na Câmara, seremos mais que Homens, seremos Pessoas.
Esta é uma das muitas histórias que hipoteticamente poderiamos encontrar. Num autocarro da Carris, um utente entra e pede um bilhete:

Utente:
"É um bilhete, se faz favor!”

Motorista:
(À medida que dá o troco, começa a declamar)
“Um bilhete? O que será um bilhete senão a passagem para o percurso mais longo da vida? Será a utopia, o amor, ou a paz, o silêncio de um beijo que se aguarda no destino, ou ...”

Uma velha que está na primeira fila começa também ela a declamar, continuando o sofisma:
“...ou algo que se guarda, na ânsia de nunca perder,....”


De repente um espírio poético abraça todos os presente. Um jovem continua também o poema:
...”porque a saudade tudo leva. È um bilhete, por agora. Mas não depois. Será mais do que uma passagem.

Desta vez, um velho que se encontra junto à porta de saída do autocarro, grita ao motorista:
“Ó chefe, abra atrás!”

Motorista:
(Encolhe os ombros, abre a porta para o velho sair e declama)
“Pobre de espírito. Para quê olhar para trás, o bilhete leva-nos para a frente. A passagem é o futuro, Velho do Restelo...”

O velho responde chateado:
“Ei, pára aí. Velho do Restelo o caralho, sou de Campolide ó palhaço!”

Fim.

Gente importante

Quem uma vez ou outra na vida não endeusou alguém??
Ou o presidente da companhia que nos chama para falar connosco, ou aquela modelo podre de boa que achamos impossível estar ao nosso alcance, ou até um idiota qualquer que tem mais lábia do que nós e por ser mais extrovertido se chega à frente e diz umas balelas numa qualquer sala lá da nossa firma.
Pois é, mas são todos gente como nós e de nada vale temé-los e a próxima vez que o nosso chefe nos chamar vamos enfrentá-lo de igual para igual, ou quando virmos a Marisa Cruz no Lux, vamos a ela (vão vocês) como gato ao bofe.
E perguntam, como vou conseguir vencer o medo e olhá-los de igual para igual?
Há duas formas: a primeira é relativizar a importância da pessoa
O Presidente que para nós é um mais que tudo, num contexto mais global é quase tão bardasquito como nós. Acima dele há ainda o Country Manager da Network, o Region Manager, o CEO para a Europa e ainda o Chairman Internacional e podemos também considerar os secretários de estado , os chefes de gabinete, os ministros os adjuntos de ministros do governo nacional, os presidentes de outra empresas mais importantes e ainda todos os grandes líderes mundiais, etc. Quem é o presidente de uma empresa portuguesa ao pé do Xeique Arasam Bualí. Ninguém. É quase tão irrelevante como nós. É claro que isto nos faz também ser ainda menos importantes , e isto pode mandar abaixo a nossa debilitada auto-estima, mas há muito mais gente para baixo de nós e do nosso presidente do que para cima. Para baixo temos a grande maioria da população portuguesa, dos países do terceiro mundo e por aí fora. Num contexto mundial estamos em termos de rendimentos e de importância hierárquica muito mais próximo do nosso presidente da companhia do que de um qualquer habitante do Burkina Fasso. Quando ele vos chamar, já sabem, ele não vale nada. Ele é um grão de areia, ele é um átomo, um quasar no universo. E nós somos só um bocadinho piores do que ele.
Este raciocínio vale para toda a gente. Quem é a Marisa Cruz quando há no mundo a Elle Mac Pherson? Ou da Scarlett Johansson?? Aqui o problema é que podemos olhar para o lado e pensar, quem é a nossa mulher ao pé da recepcionista lá da firma. Mas quanto a isso, não há nada a fazer.
A Segunda forma é mais prosaica mas igualmente eficaz.
Imaginem uma dessas gajas boas. Pode ser a Luísa Beirão. Olham para ela e pensam, Esta mulher nunca olharia para mim. É Mentira. Ela é igual a todos nós. Imaginem-na à noite. Vai-se deitar, cheia de cremes com o cabelo preso com uns ganchos da loja do chinês. Adormece e começa. por se babar. Depois ressona. E talvez até solte um flato. Quando acorda está estrebuchada e com a cara amassada pela almofada. Na bochecha esquerda ficaram marcados os botões do telecomando da televisão que se esqueceu de retirar quando adormeceu à noite a ver o TVShopping. Acorda. Vai para a retrete e deita fora em esguicho o resultado das papas que andou a comer para emagrecer. E leva quase uma hora até sair da casa de banho com aquele ar fantástico que nos habituamos a ver. Por isso, quando chega a hora da verdade, ela é igual a nós: dorme, arrota, bufa, vomita-se, e até se calhar uma das vezes que foi defecar rompeu o papel higiénico e espetou o dedo no rabo cheio de fezes. É claro que quando se tem um metro e oitenta e 90, 60, 90 até na retrete se tem algum estilo, mas se lhe se virmos a coisa com olhos de gente quando estão no sofá a dormir de boca aberta não há grande diferença entre elas e a nossa parceira. Isto aplica-se também ao nosso chefe. Quando ele vos vier com conversas sobre o vosso desempenho, imaginem-no na sanita agachado, encarnado pelo esforço e a evacuar daquelas fezes líquidas que fazem barulhos ao sair e sujam a sanita de cima a baixo.
Quanto ao tal gajo que se acha importante e é um Zé Ninguém, e que vai lá debitar umas verdades na firma, deixem-no estar. Ele representa, talvez, máximo que qualquer um de nos pode atingir.

Limpeza

Aqui há atrasado recebi em mão um folheto que me informava de um novo serviço: “Sessão de limpeza espiritual”. Apesar de não me sentir infligido com bruxedos, invejas, mau-olhado, maldições hereditárias, pragas, pesadelos, desejos suicidas, visão de vultos, audição de vozes, azar, desmaios, doenças que os médicos não descobrem a origem, sentia que as estrelas estavam contra mim. Não as estrelas do céu, muito menos as do Destino mas sim as do Euromilhões. Sentia-me perseguido e era urgente limpar esta sujidade interior que se encontrava entranhada.
O mestre Jurandir lançou umas pastilhas anti-calcário. Olhou atento. Depois sacou de um pó que lançou para o ar. Franziu o sobrolho. Eu já estava chocado com a demonstração mas fiquei sem palavras quando, por magia, vejo várias pastilhas na sua mão. Eram claramente umas 3 em 1. Lançou-as para junto das anti-calcário e quando abriu a boca foi para me dizer que eu era uma nódoa. Apesar de dificil de eliminar, nada que umas sessões a mais e um amaciador não resolvessem. Ao fim de umas semanas, saí de lá limpinho. E nunca mais tive problemas com as estrelas do Euromilhões. Porque sem dinheiro, não há vícios.

Sigla-me! Ou o homem que só fala com siglas

Desliguei o CD. Tenho de comprar um leitor de MP3, o iPOD ou o ZEN. Mas liguei a TV, saiu-me a RTP, estavam a falar da UGT, da CGTP, depois da NATO, dos C130, TGV, do PS e depois do PCP. Lembrei-me do JP e desliguei a TV. Faço a chamada pela PT. Dizem-me: “O JP não está, foi ver o SLB.”. Desligo e abri o DN. Amanhã sai um DVD. È o “ET”. Ainda me dá um AVC! Ligo o PC, o ADSL e o MSN. Mal começo a teclar, recebo um SMS. Ena, a GQ já chegou. Tenho de ir aos CTT, depois vou ao AKI comprar um tubo de PVC.

sexta-feira, setembro 02, 2005

Open space

Trabalhar num open space é viver permanentemente dentro de um documentário do National Geographic. Basta abrir a pestana e desfrutar da observação. Descobrimos facilmente que não é só nas planícies do Serengueti, nas estepes asiáticas ou nas savanas africanas que existem espécies raras. Sob uma determinada perspectiva estamos rodeados por animais autênticos: coçam-se, arrotam, flatulam, tiram macacos do nariz, tiram sebo das orelhas, levam o dedo mindinho ao dente, bocejam como hipopótamos e voltam a flatular abundantemente. Para marcar território só falta mesmo urinarem em todos os metros quadrados definidos como "área pessoal".
Nesse espaço pré-estabelecido por ordem superior colocam cartazes nas paredes, post-its, listas telefónicas, as fotografias das crias são um must e tornam-se muito violentos quando se vêm privados da sua extensão telefónica.
Mas estamos a falar de outras semelhanças. Uns andam em grupos, outros isolados. Uns aventuram-se ao almoço sozinhos, outros não. Uns voltam depois de almoço, outros nem por isso.
Num bom documentário animal não falta a parte do acasalamento. Num open-space a quantidade de rituais de acasalamento envergonharia qualquer bando de hienas. Aqui o cio varia entre vários dias até vários anos. É machos à volta de fêmeas, é fêmeas à volta de machos e depois também há muita bichanice. E o cheiro permanece no ar.
Descobrimos que trabalhar em open space tem regras próprias, como se tivessem sido impostas pela Mãe Natureza, onde é obrigatório falar baixinho porque o chefe não gosta do nível sonoro da tua gargalhada. Ficas a saber que a vizinha do lado tem a mania de meter clips pelas orelhas para tentar sacar vários quilos de cera, que outros metem lápis nas narinas, lápis esses que vemos minutos mais tarde nas mãos de um director geral apressado em assinar um memo, que existe alguém que se rasga alarvemente e deixa um odor a putrefacção no ar - todos pensamos que são a merda dos americanos e os seus poluentes lançados para a atmosfera mas o cabrão está mesmo ali ao lado a digerir a entremeada com arroz e saladinha -, ficamos a saber que o pulha ali à frente comprou um CD e que o ouve até gastar o raio laser do leitor, descobrimos que muitas dos nossos objectos pessoais desaparecem sem deixar rasto, sabemos que ali aquele tipo tem problemas em casa e que aquele tem um primo com um cancro na cabeça desde os 7 anos, percebemos que uma tipa não toma banho e que outra toma-o com o chefe, etc. A lista é interminável.
Mas há coisas boas. Coisas postivivas. A melhor que descobri até agora é que tomamos conhecimento de tipos com muito mais pancada do que nós. Valha-nos isso.
Eu sempre ouvi dizer que lá aquilo lá fora é uma selva. Mas chego à conclusão de que a concentraram toda dentro de um open space.

Onde é que andas com a cabeça, homem?

Acordei com uma sensação esquisita na boca. Apetecia-me cuspir. E quando me preparo para levar a mão à boca para tentar perceber o que era, reparo que não tenho braços. Em sobressalto olho e vejo que não tenho mãos. E depressa descubro porque raio acordei com uma sensação estranha na boca. Estou coberto de pêlos. Castanhos. Curtos. Tento cuspir as pilosidades mas cedo me apercebo que é uma tarefa impossível. Também não tenho boca mas a sensação percorre todo o meu corpo. O meu coração agita-se enquanto eu, sem me conseguir mexer, tento perceber o que se passa à minha volta. Descubro que, afinal, só consigo ver, que o meu corpo é uma massa coberta de pêlos, castanhos, curtos. E tenho o chão bem perto de mim. Tudo ganha novas dimensões e não estou a achar piada nenhuma a esta situação kafkiana. Penso para comigo, ok, és um monte de pêlos, não tens corpo, só consegues ver, no entanto sentes qualquer coisa. O que é aquilo? Meu Deus, são unhas, é uma pata! Olho para cima e vejo um focinho de cão, maior que eu. E não é que o focinho vem com o restante equipamento de série: olhos, orelhas em bico, saliva que escorre abundantemente e mais pêlos. Pêlos? Até onde a vista alcança, vejo que acima de mim está uma cabeça de um cão. Os meus olhos descem e encontram-me. Olho para baixo e vejo o soalho flutuante. Tento não acreditar mas as evidências provam um cenário impossível. Tudo indica que acordei dentro de uma pata dianteira de um cão. Se tivesse boca – que descobri afinal não ter – teria gritado. Mas bastou apenas pensar para ouvir vozes:
-João, és tu?
-Sim?? Quem fala?
-Quem fala? Parece que estás ao telefone, és muito parvo!
-Desculpe lá sim, mas acho que acordar dentro de uma pata de um cão é de um gajo desaprender a falar, ou não?
-Eh...também não é preciso seres assim tão bruto. Olha para mim...
Meu Deus, o que faz aqui a mulher da minha vida?
-Kapa, o que é que tu fazes aqui?
-O mesmo que tu. Estou a servir de pata dianteira.
-Não percebo. Falas como se isto fosse a coisa mais normal do mundo.
-Calma. É estranho agora. Mas o tempo faz com que olhes para o medo de outra forma. do medo cria-se um hábito. Adaptabilidade, sabes o que é?
-Era o que me faltava agora, questões metafísicas quando me sinto preso dentro de uma pata dianteira de um cão que não conheço de lado nenhum. Sou só eu mas parece que tu não te preocupas com isso. Aliás, como é que viémos cá parar?
-E para que é que isso interessa? Agora és uma pata dianteira de um cão. Podia ser pior.
-Pior que isto? Que piada...
-Pergunta ali ao Motas...
-O Motas está cá?
-Sim, no fundo, foi o que teve mais sorte. Calhou-lhe a pilinha...
-Cabrão, sortudo....
-Sorte? – ouviu-se mais atrás – Chamas a isto sorte?
-Motas? És mesmo tu?
-Sou, João.
-Eu não me consigo virar. Só te consigo ouvir. Com que então a pila de um cão? Eu bem te dizia que um dia irias ser grande. Acho que há uma certa ironia no Criador desta história.
-Mas isto não é sorte. Passas o dia com urina na boca e a introduzires-te em desconhecidos.
-Mas ao menos isso dá-te algum prazer, não?
-Qual quê? Sou apenas um músculo, a parte do prazer está no cérebro. O cabrão que ficou com o cérebro é que teve sorte.
-Alguém sabe quem é? Conhecem?
-Não, a Kapa já tentou falar mas não respondem de lá. Cá para mim este cão é acefalo.
-Duvido mesmo que alguém tenha ficado com o cérebro. Mas olha, sabes quem é que está por cá?
-Quem?
Nesse instante o focinho mexeu-se e o cão começou a arfar. Reconheci-a logo mal a língua saiu da boca do bicho:
-Vermelha, és mesmo tu?
-João? Estava mesmo curiosa por saber quem é que iria ficar com a pata da frente. Ainda bem que és tu. No outro dia estávamos a falar e não imaginas os nomes que surgiram.
-Mas esperem aí. Isto parece que vocês estão em casa. Há quanto tempo é que estão aqui?
-Eu fui o primeiro a chegar, depois apareceu a Vermelha, a Kapa e tu foste o último.
-João – interrompeu a Vermelha – no outro dia estávamos a tentar interpretar esta situação. Imagina que isto é um sonho e que contavas isto a um psicólogo, qual seria a sua interpretação?
-Vocês julgam que isto é um jogo? Um teste psicológico da revista Maria? Bolas, pareço ser o único que se preocupa pelo facto de ser um pata de um cão. Não te vejo preocupada por ser uma língua.
-Bom, sabes que muitas vezes vou ali fazer umas festas ao Motas.
-E isso é a melhor parte do meu dia, ao menos posso estar com ela um bocadinho. Já te tinha dito que gosto muito dela?
-Sim, não ouço eu outra coisa.
-E repara tu estás na pata direito do cão. És um motor.
-Também a Kapa...
-É verdade, já viste a coincidência? Vocês estão juntos. A puxarem por nós.
-Sim, mas repara que não estamos juntos. Há um corpo que nos separa. Em comum somos apenas duas patas. Se um psicólogo estivesse ouvido esta conversa diria que estamos condenados a olhar um para o outro, e andar com passos dissincronizados.
-Eu não viria as coisas assim, João. – interrompeu a Kapa – Somos patas e isso é o que importa.
-Bolas, o que é que está a acontecer?
O cão levantou-se e começa a espreguiçar-se. Senti todos os meus músculos. Tremi, dói-me o corpo todo. A Kapa falou:
-Bom, agora é que isto vai aquecer.
-Aquecer, como assim?
-Vamos fazer um bocadinho de ginástica. Ele agora vai para a rua.
-Sim?
-E nós somos as patas... duh??
-Continuo sem perceber...
-Parvo. Vamos correr.
-Ah, então é por isso que estás tão em forma. Por acaso, estás fantástica.
Kapa cora, não consegue esconder.
-Bem, vamos lá embora.
-Ui...Ui..UI...isto doi. Vamos estar sempre a correr?
-Tens de te habituar. Custa ao início mas depois é como estar num tapete de um ginásio qualquer.
-Kapa?
-Sim?
-Quando a Vermelha decidir ir lamber...
-Não te preocupes. Não vais ver nada porque normalmente o cão alça as patas da frente tapando a visibilidade. Quer dizer, pelo menos do meu ponto de vista.
-Espero que tenhas razão.
O cão passa a porta. Eu corro para um lado, a Kapa corre para outro. A descoordenação gera movimento. A Física faz sentido. O Motas anda aos solavancos, ao sabor da velocidade, a Vermelha vai solta e descaída na boca. Não deve estar a achar muita piada já que um rio de saliva percorre toda a sua extensão.
O cão corre, salta, passeia, cheira postes, carros, jantes, outros caes. Pelos ruídos que oiço do Motas, este canídeo tenta muitas vezes travar conhecimentos com outros cães. Ainda não passaram 5 horas e este cão já fez mais amizades que eu numa vida inteira. Velhotas são em barda, crianças afagam as orelhas, gajas boas passam a mão pelo pêlo, gajas feias dão beijos no focinho. Estou a odiar fugir dos calhaus dos putos, das bengalas dos velhos e descobri agora que tenho de fugir é de um outro cão. Bem maior, mais feroz e muito mais veloz.
-João, corre por tudo!!!
-Kapa, tem calma. Não me apetece.
Esta indecisão no passo fez com que o cão comecasse a coxear.
-João, o outro cão está cada vez mais perto...
-Calma Kapa, se ele morder, morde o rabo deste, nunca vai morder uma pata da frente.
E quando eu digo isto oiço o Motas gritar.
-Acho que ele acabou de morder outra coisa.
-Ok, ok, já percebi. Vamos então para ali.
-Qual quê? Vamos para a esquerda.
-Kapa, isso é ir para a estrada. Não achas que é perigoso?
-Perigoso é ter este cão atrás de nós.
-Kapa, João – ouvimos a Vermelha – vamos atravessar a estrada, rápido.
Assim é justo. Vamos então lá atravessar essa estrada.
-Vermelha? Podemos ir?
-Espera.... Agora, corram depressa.
Comecei por correr mas rapidamente dei comigo a voar. O chão ficou cada vez mais distante. Todo o meu corpo doía. Quando voltei a encontrar o chão senti aquela sensação estranha de pêlos na boca. Não ouvi vozes. Mas ninguém me precisava dizer que não iria sobreviver ao acidente. Vida de cão.

Objectivo deste blog

A vida tem objectivo? Claro que não. Mas tem muitas histórias para contar. E este será um cantinho onde as histórias passam. Pode estar alguém à escuta. Ou talvez não. O que é que se passa dentro dessa cabeça e que queres dar vida?