A vida é uma novela. Eu decidi escrever uma. Chama-se "A Cruz do Amor" e é para ser contada em 425 episódios.
Estamos nos loucos anos 70. Cheira a liberdade por todos os cantos. À porta da igreja, numa aldeia próxima do Bombarral, alguém abandona uma criança. É um rapaz. É de imediato baptizado. Recebe o nome de Pedro. O destino leva Pedro até às mãos de uma jovem freira, Roberta. Meses mais tarde tentam retirar a criança das mãos da sua nova mãe. Mas o amor e o afecto que ela nutre pela criança obriga-a a engendrar um plano com a conivência da sua irmã mais nova, Tatiana. Juntas conseguem simular o desparecimento do bébé. Mas na verdade, quem cuida agora de Pedro é Tatiana. Os anos passam, Tatiana decide fugir da aldeia e tentar a sorte na cidade. Deixa para trás Pedro que apesar de pequeno, sente o peso do abandono de duas mulheres e de uma mãe ausente. Roberta tenta então em desespero tomar conta da criança. E a proximidade com Pedro desperta-lhe novas emoções e sensações. Pedro é agora um adolescente e durante quase 2 anos torna-se amante de Roberta. Roberta não conhece outro homem que não o adolescente Pedro. Mas algo vem quebrar esta relação anormal.
Aos 14 anos, Pedro recebe a notícia de que um acidente ceifou a vida de Roberta. Pedro tem de aprender a viver sozinho. Já não é uma criança. Mal sabe ele que a morte da mãe é uma farsa. Ela afinal está viva, enclausurada num convento. Foi dada como morta depois da igreja ter descoberto que esta mulher estava grávida. Pedro é pai de um rapaz mas não o sabe.
Ironia do destino, a criança, Rui Carlos, é abandonada à porta de um outro convento a centenas de quilómetros de distância.
Os anos passam. Roberta caba por morrer no convento. Pedro tem agora 35 anos. A vida deu muitas voltas e ele é um respeitado director de uma empresa. Subiu a pulso mas teve um empurrão da comunidade gay da cidade. Pedro é gay. Não parece. Não o assume. È casado com Patrícia, uma devota cristã de 27 anos que, nas duas relações sexuais com Pedro, deu fruto a duas belas crianças. O que para Pedro é óptimo que assim não precisa de fingir muito a falta de coito heterosexual.
Entretanto a vários quilómetros de distância, Rui Carlos torna-se um aluno brilhante. E aos 21 anos já tem um bacharel em gestão, levando-o a novos desafios na cidade.
Sabemos que Rui Carlos é um devoto cristão. Vai à missa. E numa dessas idas encontra Patrícia. No início apenas trocam olhares. Mais tarde a paixão torna-se mais forte que os seus valores. Encontram-se secretamente até que um dia Pedro, por via de um encontro cristão, conhece Rui Carlos. Logo ali sente uma química no ar. Não sabe o que é mas Pedro olha para Rui Carlos de uma forma diferente. Não é o único, a sua mulher também já não olha para Pedro da mesma forma. Está totalmente apaixonada por Rui Carlos mas sabe que, aos olhos de Deus, o que faz é errado. Um dia, decide tirar a vida com a ajuda de uma caixa de comprimidos. Sabe que Deus não perdoa o suicídio mas de certeza que não perdoaria o facto de dar à luz um ser que não é filho legítimo de uma relação abençoada por Deus. Sim, Patrícia morre no mesmo dia em que descobre que está grávida de Rui Carlos.
Esse segredo não morre com ela. È revelado a Pedro no dia da autópsia. Pedro sabe que não é ele o pai e decide então investigar. Na tentativa de procurar respostas a tantas perguntas acaba por cruzar-se com Rui Carlos. Este, por medo ou por se sentir culpado de toda a situação, acompanha Pedro nesta tarefa de ajudar a descobrir quem é o pai da criança. Chegamos então ao climax, ao drama,à ironia em direcção ao pathos: o pai com o filho à procura do pai que é o filho!
Os dias passam-se e o tempo lava a alma. Pedro começa a interessar-se por Rui Carlos. E fica extasiado quando descobre que os dois têm uma história comum, os dois foram educados por freiras. Para que Rui Carlos passe mais tempo com ele acaba por oferecer-lhe emprego na sua empresa. Pedro começa a apaixonar-se por Rui Carlos. Este está confuso, sente alguma coisa por Pedro mas não sabe bem o que é. Acaba por canalizar todas as suas energias para a empresa e vai dando nas vistas junto dos responsáveis superiores.
Uma noite, para festejar mais uma vitória empresarial, Pedro e Rui Carlos acabam numa festa com meninas. Rui Carlos acaba mesmo por reconhecer uma das bailarinas, a Carla. No fim do espectáculo Carla vem ao seu encontro. Rui Carlos descobre que ela era uma das muitas freiras que acabam por abandonar o convento. Uma outra bailarina reconhece Pedro. E nós também porque descobrimos que é Tatiana, a irmã de Roberta.
As duas conhecem as histórias de cada um, conhecem as respectivas mães, as respectivas histórias. E quando trocam informações uma com a outra descobrem todo o enredo. Elas juram nada contar e fazem um pacto de sangue.
O amor tem destas coisas e Rui Carlos acaba por apaixonar-se por Carla. Pedro tenta de tudo para obter o amor de Rui Carlos mas não é bem sucedido. È então que decide matar a bailarina. Uma noite, entra sorrateiramente em casa de Carla e ouve-a ao telefone a contar uma história de pai e filho, o seu nome e o de Rui Carlos. Não percebe nada. Assustado, sem perceber nada, tenta obrigar Carla melhor a história. Ela grita e Pedro vê-se obrigado a matá-la.
Rui Carlos fica de rastos. É a segunda mulher que lhe matam. È um azar dos diabos. Uma beata e uma bailarina. Em comum apenas o B na início das palavras. Rui Carlos tenta então procurar Tatiana. Pedro também, já que suspeita que ela deve saber alguma coisa. Pedro acaba por encontrá-la. Tatiana, ameaçada com um ferro de engomar quente, abre a goela para contar toda a verdade que conhecemos. Pedro assusta-se e não quer acreditar que o homem que ama é seu filho. E quando se prepara para matar aquela fonte de mentiras leva um tiro pelas costas. Vemos que é Rui Carlos de arma em punho. Ele que também procurava Tatiana, entrara e escutara a conversa. Matou o pai e o patrão com a mesma bala. Abraça-se a Tatiana e choram os dois compulsivamente. Rui Carlos passa o resto dos seus dias na prisão onde é abusado sexualmente todos os dias.
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