A mobilidade é talvez um dos grandes factores diferenciadores da actualidade versus um passado recente. Há cerca de 150 anos, uma deslocação que hoje se faz em 24 horas, era uma aventura de meses, e uma viagem que hoje fazemos de carro em 2 horas e meia, levaria cerca de uma semana.
Decidido a levar este conceito mais longe, decidi incorporar nesta mobilidade urbana, a ociosidade. Ou seja, resolvi fazer uma experiência: seria possível viver um dia inteiro no meu carro, sem sair deste, deslocando-me pela cidade? Isto, claro está, sem abdicar de toda a modernidade e de tudo a que estamos habituados.
Saio de manhã bem cedo e entro na garagem para, a seguir, me dirigir ao meu carro. Entro e ligo o meu Telefone com GPRS. Está resolvido o problema de comunicação: estou ligado ao mundo e à net. Ligo o GPS e estou pronto para encontrar tudo. O DVD e o rádio garantem-me a diversão. O ar condicionado garante-me a climatização e um clima ameno.
Estou preparado. Arranco.
Chegado à zona da Praça de Espanha sou abordado pelos ardinas dos tempos modernos, que invadem o meu carro com o Jornal Metro, Destak e Meia Hora. Alguns homens dão-me também folhetos e brochuras sobre fantásticos condomínios e, ao longe, espreita atento o vendedor da Cais. Em menos de 5 minutos, fico com um volume de informação semelhante ao Expresso e sem pagar um tostão. Para ser igual só me falta o saco de plástico. Não, esperem …. acabei de receber um da Remax com a cara estampada de Alcina Moreira, a vendedora da zona. Agora sim, tenho também toda a informação noticiosa dentro do meu carro.
Apanho a minha namorada e dentro do carro satisfaço outra das nossas necessidades primárias: discutir com uma mulher. Depois de acabarmos de berrar, lembro-me que podia aproveitar ela estar ali e satisfazer o desejo que nos arde a nós, homens, no baixo ventre. Copulamos ávida e demoradamente durante mais de 5 minutos (ali ao lado da Universidade Nova é óptimo para esse efeito). Ela sai e guarda as cuequinhas no porta-luvas. O meu carro começa a parecer uma casa. A coisa vai bem. Marco as coordenadas no GPS e arranco para um semáforo no qual me deram a indicação que se efectuava uma lavagem de vidros muito profissional. No GPS, via altifalantes da rádio, a voz de Isabel faz-me companhia – segunda à direita, 200 m. Terceira à esquerda, na rotunda. Segue 350 metros e volta à direita. Um nabo faz-me travar bruscamente. Insulto-o a ele e à sua mãe. A adrenalina sobe em flecha e arranco cobardemente quando o tal nabo, que afinal tinha dois metros, sai do carro para me bater. Está satisfeita a necessidade de emoção, que é completada com o peão que o carro faz devido ao descontrolo com que abordo uma curva, provocado pela recente subida de adrenalina e pelo tremer incontrolável da minha perna direita.
Chego ao dito semáforo das lavagens cerca de uma hora e meia depois – o trânsito estava intenso e deu-me para sociabilizar com os outros condutores. Depois de lavados os faróis e os vidros (que ficaram um brinquinho), fico com alguma lareca e vou ao McDrive. Bebo um litro de coca-cola e um mactoucinho. O efeito é devastador. A mãe natureza chama-me e eu começo a ouvi-la. Agora percebo que há coisas que não se fazem no carro. Nomeadamente, merda.
Nota: esta experiência não deve ser repetida por amadores. A minha saúde ficou irremediavelmente danificada, pelas cerca de duas horas no tráfego em que tive que conter os meus dejectos, até conseguir finalmente alcançar o meu lar.
3 comentários:
Esqueceste-te de ir antes ao Parque Eduardo VII...
É bonito quando tudo corre sobre rodas..
ao parque Edurado VII??
O que é que se passa lá que eu não sei e tu sabes??
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