Trabalhar num open space é viver permanentemente dentro de um documentário do National Geographic. Basta abrir a pestana e desfrutar da observação. Descobrimos facilmente que não é só nas planícies do Serengueti, nas estepes asiáticas ou nas savanas africanas que existem espécies raras. Sob uma determinada perspectiva estamos rodeados por animais autênticos: coçam-se, arrotam, flatulam, tiram macacos do nariz, tiram sebo das orelhas, levam o dedo mindinho ao dente, bocejam como hipopótamos e voltam a flatular abundantemente. Para marcar território só falta mesmo urinarem em todos os metros quadrados definidos como "área pessoal".
Nesse espaço pré-estabelecido por ordem superior colocam cartazes nas paredes, post-its, listas telefónicas, as fotografias das crias são um must e tornam-se muito violentos quando se vêm privados da sua extensão telefónica.
Mas estamos a falar de outras semelhanças. Uns andam em grupos, outros isolados. Uns aventuram-se ao almoço sozinhos, outros não. Uns voltam depois de almoço, outros nem por isso.
Num bom documentário animal não falta a parte do acasalamento. Num open-space a quantidade de rituais de acasalamento envergonharia qualquer bando de hienas. Aqui o cio varia entre vários dias até vários anos. É machos à volta de fêmeas, é fêmeas à volta de machos e depois também há muita bichanice. E o cheiro permanece no ar.
Descobrimos que trabalhar em open space tem regras próprias, como se tivessem sido impostas pela Mãe Natureza, onde é obrigatório falar baixinho porque o chefe não gosta do nível sonoro da tua gargalhada. Ficas a saber que a vizinha do lado tem a mania de meter clips pelas orelhas para tentar sacar vários quilos de cera, que outros metem lápis nas narinas, lápis esses que vemos minutos mais tarde nas mãos de um director geral apressado em assinar um memo, que existe alguém que se rasga alarvemente e deixa um odor a putrefacção no ar - todos pensamos que são a merda dos americanos e os seus poluentes lançados para a atmosfera mas o cabrão está mesmo ali ao lado a digerir a entremeada com arroz e saladinha -, ficamos a saber que o pulha ali à frente comprou um CD e que o ouve até gastar o raio laser do leitor, descobrimos que muitas dos nossos objectos pessoais desaparecem sem deixar rasto, sabemos que ali aquele tipo tem problemas em casa e que aquele tem um primo com um cancro na cabeça desde os 7 anos, percebemos que uma tipa não toma banho e que outra toma-o com o chefe, etc. A lista é interminável.
Mas há coisas boas. Coisas postivivas. A melhor que descobri até agora é que tomamos conhecimento de tipos com muito mais pancada do que nós. Valha-nos isso.
Eu sempre ouvi dizer que lá aquilo lá fora é uma selva. Mas chego à conclusão de que a concentraram toda dentro de um open space.
2 comentários:
É bem verdade. Mas pior que estar num open space, onde temos muita gente para olhar e é difícil reparar em todos e fixar quem é o que tira burriés do nariz ou o que limpa a cera dos ouvidos, é estar fechado numa sala com 4 pessoas durante anos. Ficamos a saber tanto sobre elas que às páginas tantas, já não sabemos onde elas começam e nós acabamos e quando elas limpam as orelhas parece que estamos a limpar as nossas, quando elas falam com os pais sentimos que somos nós a falar com eles. É uma vida partilhada, forçada. Por isso somos tão ambiciosos. No fundo queremos uma sala só para nós.
Adorei a descrição. Bem verdade, verdadinha! Ainda por cima fez com que eu ainda não parasse de sorrir :)
Paula Castro
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